“Planto flores no caminho para que não me faltem as

borboletas. Foram elas que me ensinaram que o casulo

não é o fim. É o começo."

Day Anne



30 de jun. de 2010

Afinidade



Por Arthur da Távola

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos.

O mais independente. Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido. Afinidade é não haver tempo mediando a vida.

É uma vitória do adivinhado sobre o real. Do subjetivo sobre o objetivo. Do permanente sobre o passageiro. Do básico sobre o superficial. Ter afinidade é muito raro. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas. O que você tem dificuldade de expressar a um não afim sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavra. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com. Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.

Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado. Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios. Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo. É olhar e perceber. É mais calar do que falar. Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por. Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo. Mas quem sente com, avalia sem se contaminar. Compreende sem ocupar o lugar do outro. Aceita para poder questionar. Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar. Só entra em relação rica e saudável com o outro, quem aceita para poder questionar.

Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar, não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é. E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso. Isso é afinidade. Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita

o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona. Questionamento de afins, eis a (in)fluência. Questionamento de não afins, eis a guerra.

A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele. Independente dele. A quilômetros de distância. Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar. Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar, por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos. Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos, veremos ou falaremos. Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem para buscar sintomas com pessoas distantes, com amigos a quem não vemos, com amores latentes, com irmãos do não vivido?

A afinidade é singular, discreta e independente, porque não precisa do tempo para existir.

Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu o vínculo da afinidade! No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação exatamente do ponto em que parou. Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas nem pelas pessoas que as tem.

Por prescindir do tempo e ser a ele superior, a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente. Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós, para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.

Sensível é a afinidade. É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido. Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau, porque o que define a afinidade é a sua existência também depois. Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir restituir o clima afetivo de antes, é alguém com quem a afinidade foi temporária.

E afinidade real não é temporária. É supratemporal. Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta, ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade. A pessoa mudou, transformou-se por outros meios. A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas, plantios de resultado diverso.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças, é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas, quantos das impossibilidades vividas. Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou, sem lamentar o tempo da separação. Porque tempo e separação nunca existiram. Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar. E para que cada pessoa pudesse e possa ser cada vez mais, a expressão do outro sob a forma ampliada e refletida do eu individual aprimorado.

12 comentários:

Manuela Freitas disse...

Texto excelente sobre a afinidade, que eu considero que é mais importante que tudo o mais, porque a afinidade, motiva uma vivência tranquíla, na presença e na distância, como tu tão bem dizes e como tão bem dizes, só posso acrescentar que a minha vida se regula pelas afinidades. Será isso mesmo que me motiva uma aproximação ou um distanciamento, das pessoas que vão cruzando a minha vida.
Beijinhos,
Manuela

Maria Tereza disse...

Ter afinidade com uma alma perfumada como vc, não tem preço.

Um beijo carinhoso.

ValériaC disse...

Denise minha flor de amiga...que grandes verdades...afinidade quando se dá...é maravilhoso...
Texto nos leva a muito refletir...nas pessoas com quem não temos, ou nas que somente foi temporário e nas verdadeiras afinidades de nossas vidas...é bonito de se ver...

Doce noite pra ti amiga!
Beijos
Valéria

Denise disse...

Olá, Manuela!
Pois é, me identifiquei tb com esse texto do Arthur da Távola. Acho um bom termômetro esse, pra orientar nossas escolhas. As pessoas que escolhemos ter sempre próximas, e procurar sempre, são as que sentimos maior afinidade. É um bom "critério", pq depende dos sentimentos que provocam na gente, né?

Adorei te encontrar aqui!
Bjinhos

Denise disse...

Tere, vc é suspeitíssima, mas adorei a tua declaração...rs...cheia de afeto, que é recíproco!!!!!

Outro bjo pra ti, minha amada!!

Denise disse...

Doce Valéria, tem tantas coisas envolvendo as relações, né? a afinidade é um dos indícios confiáveis, pq quem aponta, é o sentir. Sempre que confio nessa percepção, tenho gratas surpresas.
Assim como aconteceu em relação a ti, minha querida!!

Bjo carinhoso

Paula Betzold disse...

Adorei o texto... afinidade é muito importante, em relações de amor e de amizade... beijocas

Regina Coeli disse...

Minha Amiga do Coração,
O Arthur da Távola tem um a forma de expressar suas visões da vida que me faz buscar sempre seus escritos.
Com que propriedade ele nos fala sobre a AFINIDADE...
Agradeço seu comentário incentivador no meu Blog!
Eu também já pintei muitas telas, nem todas fotografadas, algumas postei mais no início do meu BLOG e assim vamos descobrindo nossas afinidades.
Beijinho doce,
Regina Coeli

Denise disse...

Concordo, Paula. Arrisco até dizer que a afinidade "meio que determina" a aproximação, sendo estes os indícios que regem as escolhas...

Beijo, querida!

Denise disse...

Eu tb gosto muito dele, Regina. Seus textos são escritos com simplicidade, expondo suas opiniões com clareza, sem impor nada.

Acho que habilidade manual é um dom, e quando vem aliado ao bom gosto e carrega a imensa sensibilidade criadora que vc tem, fica ainda mais valoroso. O trabalho de Patchwork requer habilidade e paciência, delicadeza - o que nos mostrou ficou lindo meeeesmo!

Bjos minha amiga artista, super talentosa e querida!!

*Mundo Particular* disse...

Lindissimos os seus textos. Amei tudo aqui. Bj carinhoso!!

Denise disse...

Oi, Cris, posso usar suas palavras, tb adorei o Seu mundo particular, seja muito bem-vinda aqui - volte quando desejar, aqui reina a paz e os amigos são especiais, viu?
Bjos, querida.